Por Mariana Tinoco, Psicóloga
Algumas pessoas percebem que estão engordando neste momento de isolamento social. É comum que nosso gasto energético tenha diminuído e que possivelmente nosso apetite tenha aumentado. A tendência então é engordarmos. Independente se temos conseguido nos alimentar bem ou se estamos destinando a nossa alimentação a alimentos mais palatáveis, ricos em açúcar e gordura, a possibilidade de engordamos é real.
É natural o nosso corpo mudar se a nossa rotina mudou. Mas a impossibilidade de aceitar essas mudanças é o que causa o sofrimento. Dizem que temos que aproveitar a quarentena para sermos produtivos, fazer coisas que não fazíamos antes, como as inúmeras lives que acontecem diariamente sobre se exercitar na quarentena, trazendo a ideia absurda de desqualificar quem não pratica atividade física. Manter o corpo em movimento é importante, pela função e pelos benefícios de se exercitar, agora manter o corpo só para não engordar na quarentena é um auto julgamento e aprisionamento não se permitir viver sem cobranças nesse momento tão difícil.
Se fizer sentido para você começar a se exercitar agora, faça isso por amor ao seu corpo e não por ódio. Querer que todos não engordem e tenham um mesmo corpo, desconsiderando metabolismos, genética, biotipos e histórias de vidas diferentes é de uma perversidade inominável. A atitude anti-gordura da população em geral, faz com que nos sentimos mal com nossos próprios corpos.
Se dedicar muito a não engordar nessa quarentena também pode estar relacionado a não pensar no que está acontecendo. Mais fácil nos preocuparmos mais com o nosso peso, do que com a situação instável, incontrolável que estamos vivendo agora, de adiamento de planos e de sonhos e a possibilidade de ficarmos doentes ou morrermos, ou de testemunharmos alguém querido que também possa ter sua saúde prejudicada. Preocupar-se com o peso, pode ser uma forma sutil que encontramos para nos defendermos de algo mais grave.
A ansiedade pode aparecer tão forte, ao ponto de não conseguirmos parar de sentir medo diante de toda essa incerteza sobre nosso futuro, preocupações com o trabalho e financeiras, e a possibilidade de contrairmos o vírus. A ansiedade em um nível muito alto, pode desencadear o comer desordenado.
Quando comemos mesmo sem estarmos com fome e continuamos comendo mesmo quando já estamos saciados, após ter ingerido quantidades maiores que o necessário, é um dos sintomas da ansiedade manifesta pela compulsão alimentar. A compulsão é uma atividade repetitiva, excessiva que podemos realizar na tentativa de evitar uma preocupação. Durante a vida, vamos experimentando sentimentos diferentes em graus diferentes de compulsões. A compulsão alimentar só se torna parte de um diagnóstico de saúde mental quando coloca em risco a nossa saúde.
Por outro lado, não podemos confundir o tédio com a fome. Quando estamos com fome, paramos de comer quando a fome passa e nos sentimos saciados, mas a nossa relação com a comida é bem mais complexa do que parece ser, podemos comer como uma forma de compensar alguma emoção, como o tédio ou simplesmente por vontade de ter prazer em algum alimento. Sarah Westphal diz que é um desperdício passar a vida empanzinada daquilo que não nos sacia. Por isso, se faz tão necessário descobrirmos do que temos fome. Para passar por esse período com menos sofrimento precisamos cuidar da nossa ansiedade, respirando o momento presente, aceitando que não temos o controle sobre o futuro e não adianta nos preocuparmos antecipadamente. Para isso é importante entender o que alimenta nossa ansiedade e o que ajuda ela a diminuir, procurar entrar em contato com pessoas que nos façam bem e identificar atividades que nos acalmam e nos trazem paz.
Não precisamos nos culpar, nos cobrar tanto, nos sentirmos menores que outras pessoas, nem justificarmos o que comemos ou deixamos de comer, se a gente não conseguir seguir uma rotina que mantenha o nosso peso. Ao invés de questionarmos sobre nosso corpo e onde “falhamos com nossa força de vontade”, por que não refletir sobre a pressão que sofremos para nos adequar a um padrão que escraviza os nossos corpos?
A capacidade de julgarmos o tamanho dos nossos corpos afeta a nossa vida. Que tal darmos um pouquinho de colo paras as nossas angústias e não nos culparmos se nosso corpo mudar? Alimente-se bem, se exercite e se for possível (a atividade física é excelente para ajudar a regular nossa ansiedade), consuma algo que lhe faça sentir bem. E lembrem-se, uma coisa é certa: ninguém e nada será igual após essa quarentena.
Bio: Mariana Tinoco, é Psicóloga, terapeuta pelo movimento, mestre em Saúde Pública e doutoranda em Psicologia Clínica. Trabalha como psicoterapeuta atendendo brasileiros, através de atendimentos presenciais em Dublin e online.
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