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A saúde mental também está entre as mulheres e os homens e as questões de gênero

Updated: Apr 27, 2020

Por Fabiola Honorio Neto



Problemas de saúde mental acometem igualmente homens e mulheres?


De acordo com a World Health Organization - WHO (2015), existem estereótipos de gênero que afetam a identificação, diagnóstico e encaminhamento de homens e mulheres para tratamento de transtornos de saúde mental.


As mulheres estão mais sujeitas a serem diagnosticadas com depressão do que os homens, pois geralmente são vistas como mais “emocionais”, já os homens são menos propensos a falar sobre seus sentimentos e a buscar ajuda profissional para problemas emocionais devido à uma construção social, cultural e histórica da masculinidade. Na formação emocional e social do homem, muitos mitos foram construídos em torno da masculinidade, que fazem os homens acreditarem que não precisam dar atenção à saúde, já que, historicamente foram sempre vistos como símbolos de virilidade, força e racionalidade, não se constituindo como alvo de doenças, principalmente doenças mentais, ainda hoje vistas como “fraquezas”. Da mesma forma, mitos e ideais sociais com relação a feminilidade submeteram, ao longo dos anos, as mulheres a um lugar de passividade, fraqueza e extrema “emocionalidade”, levando muitas mulheres a uma significativa condição de sofrimento psíquico.


É impossível falar da saúde mental da mulher e do homem sem falar do lugar social e cultural que os mesmos ocupam. A masculinidade e a feminilidade não se referem a características inatas e biológicas de homens e mulheres, mas ao processo de socialização de ambos que consequentemente determina o papel do homem e da mulher na sociedade e as doenças psíquicas que estarão mais sujeitos.

O risco a saúde mental da mulher está muitas vezes relacionado a violência contra mulher ainda muito presente na sociedade, explicitamente ou implicitamente. A violência contra a mulher, de acordo com a WHO (2015), também conhecida como “gender-based violence”, se manifesta de diversas formas, é uma violência de gênero, e se refere em modos gerais: “a qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado” (Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, 1993)


Na minha experiência clínica prestando um serviço psicológico e psicanalítico a mulheres brasileiras que vivem em Dublin, percebo que em muitos casos, os sintomas de depressão e ansiedade encobrem relacionamentos “abusivos” que a própria mulher não percebe estar vivendo, até adoecer psicologicamente e finalmente buscar ajuda. Essas mulheres chegam ao consultório extremamente fragilizadas, sem uma identidade, sem uma vida própria, sem auto-estima, sem líbido. A psicoterapia se configura, então como um espaço de empoderamento e de escuta dessa mulher, onde a mesma retoma a sua voz e assume seus próprios desejos e o que não deseja para sua vida.


No Brasil, 72% das mulheres agredidas pelo seu parceiro possuem quadro depressivo e 39% já pensaram em suicídio. Essas mulheres relatam fatores como álcool e ciúmes relacionados à agressão masculina. Novamente, esse discurso pode encobrir uma questão de gênero, já que de acordo com a WHO (2015), é mais provável que os homens sejam diagnosticados com dependência de álcool do que as mulheres, pois o abuso de substâncias é normalmente considerado um problema "masculino".


Essa mulher que se encontra deprimida deseja recuperar o desejo de viver, deseja não anular-se pelo outro (seja o parceiro, a mãe, o chefe...). Busca na psicoterapia um olhar de igualdade, compaixão, apoio e suporte. Aprende, no seu processo terapêutico, a olhar de dentro pra fora e sentir-se bonita com o que vê, e assim recuperar sua auto-estima. Essa mulher quando recupera as suas potencialidades, recupera o seu próprio desejo e seu poder feminino, que por vezes foi depositado no companheiro e no desejo que esse companheiro possuía para ela, confundindo sua vida com a do companheiro. Sou testemunha na minha clínica psicológica em Dublin, da transformação “de mulheres em lobas”, que ocorre nesse reencontro da mulher com a sua natureza instintiva e a sua força viva.


Da mesma forma, vi muitos homens que ultrapassaram os seus próprios limites, e desesperadamente chegam no consultório psicológico em busca de uma outra referência de masculinidade. Muitos desses homens chegam em busca de ajuda psicológica devido a um uso abusivo de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas, e comportamento de risco a vida. Muitos desses homens, ansiosos e deprimidos, vergonhosamente confessam “acho que eu não tenho mais sentimentos” ou “tenho muita sensibilidade”. Essa queixa emocional se estende para “não tenho mais motivação pra vida, trabalho, nada...”. Esse homem se vê aos avessos do ideal social de virilidade masculina por não conseguir tomar uma decisão e avançar na vida, sente que está só andando pra trás, que perdeu seus amores, perdeu seu amor próprio, perdeu sua própria identidade. E muitas vezes, o problema declarado desse homem é: “Amar” e “As mulheres”. É no divã do psicanalista, ou melhor, no espaço de acolhimento terapêutico, que percebemos que saúde mental não tem gênero. Na dor psíquica, somos todos iguais. Precisamos urgentemente falar de saúde mental e questões de gênero.



Referências:

Adeodatoa V G, Carvalho R R, Siqueira V R e Souza F G M (2005) Qualidade de vida e depressão em mulheres vítimas de seus parceiros. In.: Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 74-79

Irish Observatory on Violence against Women (2003) VIOLENCE AGAINST WOMEN AN ISSUE OF GENDER. Highlighting the role of gender in analysis and response

Justo L P & Calil H M (2006) Depressão – o mesmo acometimento para homens e mulheres? In.: Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 74-79

Trevisan J (2004) Psicoterapia psicanalítica e depressão de difícil tratamento: à procura de um modelo integrador. In.: R. Psiquiatr. RS, 26'(3): 319-328

WHO (2014-2019) Roadmap for action, Integrating equity, gender, human rights and social determinants into the work of WHO.



 

Bio: Fabiola Honorio Neto, é doutora em Psicologia pela University College Dublin (UCD) e especialista em Saúde Mental pela USP, com experiência em pesquisa e atendimento no Programa PROVE da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)– Programa de Atendimento e Pesquisa em Violência e Estresse Pós-Traumático (TEPT). Italo-brasileira, possui mais de 10 anos de experiência como psicóloga e psicoterapeuta psicanalista, auxiliando pessoas de todas as idades (crianças, jovens e adultos) que sofrem de diversos problemas emocionais e de saúde mental, e que possuem diferentes “backgrounds” sociais e culturais, com base na sua própria experiência em diferentes países e culturas, como psicóloga no Brasil, Itália e Irlanda.


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